quinta-feira, 1 de abril de 2010

Hospede

Biro nunca esteve tão feliz em sua vida, tinha um bom emprego, uma boa esposa e um cachorro que o idolatrava. Biro era iluminado. Era só comprar uma rifa e pronto, liquidificadores? Tinha quatro. O dono da padaria sempre mandava broas de milho de cortesia para sua casa. Mas Biro tinha um segredo. Quando as luzes se apagavam e sua esposa dormia, ele descia para o porão de sua casa e era ali que o Mal se encontrava. Em um porão repleto de bagunças, caixas e poeira, podia-se ver uma divisória de madeira ao fundo. Um cadeado guardava o local, a esposa sabia que não devia entrar ali, pois era onde ficavam as ferramentas herdadas do seu falecido sogro. Na verdade, ela nunca teve muita curiosidade sobre aquele quartinho.

Desceu as escadas sem fazer barulhos, mas não se preocupava em ser furtivo. Apenas andava calmamente e com segurança. Passou pela sala e reparou na quantidade de luzes piscando que vinham dos aparelhos eletrônicos. Chegou à cozinha e tomou um copo d'água. Foi até a porta que levava ao andar de baixo e não precisou acender a luz para chegar até o cadeado daquela divisória no porão. Não precisava de chave, pois a tranca era aberta por senha. Rodou os números até ficar na posição correta, um clique indicava que a combinação foi correta. Ao passar pela porta, fechou com uma nova trava, agora pelo lado de dentro. Uma cordinha esbarrava em seu ombro. Puxou-a e uma fraca luz inundou o ambiente.

Runas e símbolos decoravam as paredes. Pentagramas com formas estranhas marcavam vários pontos. Presa na parede na posição vitruviana, com os membros afastados, e nua estava à fonte de toda a boa sorte dele. Uma Sucubus. Mas não uma Sucubu qualquer, era uma Matriarca. Ele olhou seu belo corpo preso a parede, suas curvas eram perfeitas. Sem hesitar, desferiu um tapa no rosto dela quase arrancando a mordaça. No mesmo instante a Sucubu assumiu sua forma real, da cintura para baixo havia pernas de bode peludas com cascos, o tronco era humano, porém, enrugado e putrefato a cabeça tinha forma canina com olhos de felino.

Mogadisha riu suavemente por entre a mordaça de couro.

A tira de couro foi retirada.

- Olá demônio.
- Olá Biro, veio me soltar?
- Nunca! Você é minha.
- Um dia eu darei o que realmente esta guardado para você.

Outro golpe foi desferido certeiro no rosto da cativa.

- Demônio. Criatura impura. Ser imundo.
- Demônio. Criatura impura. Ser imundo... E os velhos nomes?
- Morreram, juntos com os da sua raça.

Ela olhou para o teto e seus olhos ficaram vidrados.

- Mais um de nós ainda vive, solto. Você sabe quem é. Eu sou a Mãe e ele é o Pai. E ele esta me procurando.
- E passara mais trezentos anos antes dele achar você e acredite, nós também estamos procurando por ele. E quando acharmos, minha família ficara livre desse dever, para sempre.
- Junte todos da sua linhagem e some os antepassados, não serão suficientes. O Pai é o melhor, o mais forte e o mais belo.
- Então me diz como achá-lo e veremos quem saira vivo.
- Eu até diria como achá-lo, mas vocês atacariam durante o dia, enquanto ele estiver dormindo.

Biro foi até o único móvel do recinto, uma mesa velha. Coberta por um pano branco. Retirou o tecido que guardava suas facas. Pegou uma curta e rombuda.

- Vamos acabar logo com isso.
- Eu comerei sua alma! EU COMEREI SUA ALMA! EU COME...

A mordaça voltou a boca da Sucubu. A faca rasgou precisamente o ventre dela, com as mãos Biro buscou algo dentro da barriga da besta.

- Essa é maior que as outras!

A Sucubu se contorcia enquanto ele arranca algo que lembrava bastante um bebe humano de dentro dela. Mas as pernas ainda eram de animal e o rosto deformado. A cada duas noites tinha que descer e refazer a mesma coisa, pois no terceiro dia a criaturinha nasceria. Sem o menor zelo ele pendurou a cria pelo pé em uma corrente que descia do teto. Com o pano que estava na mesa, limpou os braços. Sabia que quando olhasse para a Matriarca não encontraria ferimento nenhum. Marca alguma.

- Um belo exemplar.

Com a mesma faca que trouxe a criaturazinha ao mundo, pôs fim a sua breve existência. E depois jogou o pequeno corpinho dentro de um saco de lixo preto. Amanhã passaria no abrigo de animais e cremaria a carcaça.

Biro virou-se para onde a Sucubu se encontrava e por um instante pareceu cansado, mas mesmo assim, tirou a bermuda ficando também nu. Foi até onde a Sucubu estava e a possuiu violentamente, com pressa e força. Odiava aquela parte, se sentia sujo. Mas era seu dever e a sua prisioneira não oferecia resistência alguma. Após alguns minutos terminou o coito e sem manifestar nenhuma reação, virou e pos sua bermuda novamente. Quando olhou para a Matriarca viu que novamente ela se parecia com um ser humano comum.

- Nos vemos em três dias.

E foi embora.

Sucubus são as fêmeas e Incubus são os machos, seres inferiores que vivem da lascívia humana. Uma Sucubus precisa do sêmen do homem tanto quanto o Incubus precisa espalhar o seu entre as mulheres. Eles não procriam entre si. Precisam de nós para sobreviver, esta escrito que "cem mil Sucubus nascem para cada Incubus". Conta-se que eles atacavam vitimas que não tinha predileção pela luxuria, como monges, padres, freiras e mulheres castas e quando encontravam uma dessas vitimas a aterrorizavam por anos, noite após noite.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Contos Avulsos - A Morte do Amor

Charles escancarou a porta do pequeno e sujo bar com o pé, a porta ribombou contra a parede fazendo os parcos cliente saltarem de medo. Ele encarava o dono do bar, que estava atrás do balcão com os olhos arregalados. Charles andou ate o proprietário do estabelecimento, seu rosto estava vermelho e seus olhos injetados de sangue. Bufava fortemente:

- Cadê o Amor? – Perguntou ele.

- Não sei do que você esta falando! – Responde o dono do bar.

- Não me enrole, eu sei que ele bebe sempre aqui!

- Eu não sei mesmo do que você... – Charles pega um dos bancos e o arremessa contra o espelho atrás do pobre homem.

Cacos de vidro voam e caem sobre o balcão. Um dos clientes sai correndo em direção a rua. Quem ficou, estava estático.

- Eu vou perguntar mais uma vez: onde esta o Amor?

- Já disse, homem! Não sei do que você está falando!

Charles puxa o homem pelo colarinho da blusa e deixa os rostos a poucos centímetros um do outro. Com a mão livre, Charles saca um revolver da cintura e encosta na lateral da cabeça do pobre homem, que estava se urinando inteiro.

- Moço, ele veio hoje pela manhã, tomou um whiskey e foi embora! É tudo que eu sei, pelo amor de Deus não me mate!

- Onde ele trabalha? – Charles mantinha a arma pressionada contra a têmpora do dono do boteco.

Antes que pudesse dar uma desculpa, o homem atrás do balcão ouviu aquele “clique” familiar da arma sendo engatilhada. Urinou-se mais um pouco.

- Só sei que ele trabalha para o Departamento de Trânsito! Eu juro.

Tão rápido quanto entrou no bar, Charles saiu, batendo a porta atrás de si.

Charles parou seu carro no estacionamento reservado aos funcionários do Departamento de Trânsito, quando ia ser questionado pelo segurança responsável por aquela área. Bastou um olhar para fazer o guarda lembrar que tinha que fazer, algo em algum outro lugar. Ele andou até a grande porta de entrada onde havia uma recepção com duas atendentes extremamente gordas sentadas e conversando entre si enquanto uma fila gigantesca aguardava a boa vontade das mórbidas secretárias. Charles nem titubeou e foi direto ao balcão sob protestos das outras pessoas. Encostou no balcão e falou com a menos gorda das duas:

- Onde eu acho o Amor?

As mulheres não dispensaram a menor atenção ao homem.

- Onde eu acho o Amor?

Novamente a pergunta ficou sem resposta. Desta vez, Charles desferiu um potente tapa na parte de cima do balcão, que fez ambas as sgordinhas empertigarem-se e, magicamente ou pelo susto, seus queixos  foram engolidos pela papada embaixo do pescoço.

- Suas gordas imundas, se eu precisar perguntar mais uma vez onde eu acho o Amor, juro que vou arrancar os ossos dos seus corpos gordurosos!

- Terceiro andar, sala quatro, mesa sete. – Respondeu a mais gorda das mulheres.

Então, deixou o recinto ao som de aplausos das pessoas na fila. Foi até o elevador e subiu ao andar  indicado. Procurou por entre as várias salas do DT até encontrar a certa. Foi olhando entre as mesas e achou apenas o lugar aonde o amor deveria estar. Mas ela encontrava-se vazia... Na mesa ao lado havia um rapaz de terno e gravata que segurava um porta-retrato com a foto de uma mulher. Tinha os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar.

- Onde esta o Amor?

- Eu também queria saber. Não veio hoje, aquele desgraçado! – O rapaz não desviou o olhar para responder. – É só por causa dele que estou sofrendo.

- Onde eu posso acha-lo?

- Talvez na casa dele ou, quem sabe, acabando com a vida de mais alguém!

A casa do Amor era conhecida por todos. Charles sabia chegar lá. Voltou pelo mesmo caminho e via todas as pessoas que estavam na fila da recepção batendo as mãos no balcão enquanto as gordas se encolhiam na parede. Foi até seu carro e saiu rasgando o asfalto em direção à casa do Amor. Após dirigir por um tempo chegou a Diadema e, depois à casa do Amor. Parou o carro, desceu, e foi pisando forte até o portão de entrada. Tocou a campaínha várias vezes, até que uma senhora o atendeu a porta.

- Me chame o Amor! – Gritou Charles. –Me chame o Amor agora!

- Ah, meu filho, ele foi até a padaria comprar pão e mortadela.

Charles virou-se e olhou para a padaria na esquina da rua. Sem despedir-se da senhora foi a pé até o estabelecimento. Logo que entrou já encontrou o Amor sentado num daqueles bancos em frente à estufa de salgados. Estava tomando uma bebida qualquer. Todos a sua volta estavam tristes. Alguns choravam. Somente o Amor mantinha um semblante tranqüilo. Charles sacou a arma e foi até seu inimigo.

- Te encontrei, seu miserável, filho da puta! – Engatilhou a arma. – Hoje é o fim da sua vida! Ninguém vai sofrer pelos seus caprichos novamente!

Antes que o Amor pudesse se defender, Charles disparou-lhe cinco tiros certeiros e fê-lo cair pálido no chão, a engasgar-se com seu próprio sangue. Gemeu três vezes e morreu. Instantaneamente, todos ao redor começaram a parecer felizes, alguns esboçavam risos, outros sorriam, enquanto que outros, ainda, regozijavam a morte do Amor. No fim, Charles deixou a padaria com o som de “vivas” e risadas. Nunca mais haveria amor no mundo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Contos Avulsos - Desjejum

Desjejum

Estado da Paraíba. Casa de detenção esquecida por Deus, situada em algum boato geográfico deste estado. As celas foram feitas para suportar apenas vinte presos, a menos lotada já tinha setenta condenados. Jeferson estava na cela conhecida como “a praia”, pois era a primeira a ser banhada pelo sol da manhã e recebia a luz do astro o dia inteiro. Não que isso fosse algo bom já que o calor era escaldante. Tinha junto de si sessenta companheiros.

As celas recebiam uma quantidade de marmitas reduzidas devido à condição financeira do sistema correcional. Os presos tinham que dividir a comida entre si e assim como na selva, os lideres da alcatéia comiam melhor do que os mais fracos.

A massa de homens na cela de Jeferson estava quieta, todos em seus lugares, sentados, suando, alguns fumando um cigarro qualquer. Todos estavam de cuecas para tentar aliviar o calor infernal que descia da laje de concreto e transformava o ar em algo quente que irritava os pulmões. Vez ou outra se ouvia algum ataque de tosse aqui ou ali. Jeferson, sentado com os braços envoltos nos joelhos, com as costas escoradas na parede mais longe das grades. Era um lugar de luxo, também ficava longe do banheiro e ele já teve que lutar para defender seu quadrado.

Numa quarta feira qualquer, um ônibus velho e com a pintura gasta parou dentro do pátio da detenção. Quase cinqüenta pessoas desceram do veiculo, todos algemados e com as cabeças fitando o chão.
Os guardar alocaram os últimos dez recém chegados na “praia”. Houve algum protesto por parte dos atuais moradores, mas os porretes de madeira se fizeram entender. Os novos inquilinos estavam em pé, escorados nas grades da cela. Era uma massa de homens sujos e culpados.

A cadeia estava quieta, os presos já tinham aceitado seus destinos. Os problemas começaram quando as parcas marmitas chegaram. Eram a mesma quantidade de antes.

A “praia” recebeu suas vinte e cinco marmitas. Quando os guardas estavam se virando para ir embora uma das marmitas atingiu as barras de ferro espalhando a pouca comida no chão e nos guardas. Todos os presos se agitaram e palavrões voavam de todos os cantos. O diretor veio de sua sala com ar-condicionado e ao ver a pouca comida espalhada em frente à cela de Jeferson, ele balançou a cabeça com um ar triste estampado na face. A “praia” ficaria sem comida por alguns dias como castigo. Jeferson tinha aproveitado a confusão e roubou um bife e algumas pequenas batatas cozidas das marmitas que já tinham sido entregues. Comeu as batatas rapidamente sem que fosse notado, o pedaço de carne magra estava escondido em sua camisa, dobrada no canto da cela.

No segundo dia de castigo a fome ainda não era o maior problema. Um dos presos mais perigosos daquela cadeia era morador da “praia” e tinha confiscado duas marmitas inteiras. Alguns protestos foram ditos em voz baixa, mas ninguém queria enfrentar aquele monstro cruel e marcado.
No terceiro dia, uma disputa por meio tomate entre dois presos tinha acabado com alguns ossos quebrados, muitos cortes e a metade do tomate esmagada no chão. Naquela noite alguns presos passaram mal e foram acometidos por uma diarréia feroz.

No quarto dia, para ajudar, estava fazendo um calor acima do normal. Jeferson tinha apenas mais um minúsculo pedaço da carne que guardara em sua camisa, do qual já exalava um cheiro pouco convidativo. Apesar do que se esperava, a fome tinha feito com que um silencio estranho pairasse na “praia”. Os homens passavam a maior parte do tempo sentados. Pouco se falava. Jeferson olhava enquanto uma gota de suor escorria pelo seu braço e seguia todo o caminho ate a ponta do dedo para depois lançar-se ao chão, mas encontrado sua perna. Percebeu que o homem a sua esquerda não estava dormindo, tinha desmaiado. Uma caneca de água morna foi passada até o homem que foi servido por outro preso. Naquela noite, enquanto quase toda a “praia” estava dormindo, Jeferson viu, com a ajuda de uma luz fraca, o líder daquela cela, debruçar-se sobre o detento do lado e pegar uma caneca e depois beber o liquido com goles ferozes. Ao perceber que estava sendo observado pelo jovem do outro lado da cela, o homem abriu um sorriso largo deixando os poucos dentes a mostra e Jeferson notou a cor vermelha espalhada pela boca do homem. Subitamente olhou para o detento que dormia ao lado daquele homem e só então notou a palidez no rosto do preso. O líder da cela ria em silencio e fez um sinal com o dedo sobre os lábios para o jovem preso. Jeferson pegou uma trouxinha de pano que foi arremessada pelo homem e ao desenrolar o pano viu alguns pedaços de carne crua.

A primeira resposta do corpo foi tentar vomitar algo, mas não havia nada no estomago para ser regurgitado. Ao ver o susto do jovem que segurava o pano do outro lado da cela, o líder fez um gesto para que ele comece o presente. Tinha o semblante serio. Jeferson baixou os olhos e encarou aqueles nacos de carne crua. Pegou um dos pedaços e fechou os olhos quando sentiu o gosto ferroso na sua língua. O olhar de inquérito do grande homem que o encarava foi suficiente para que Jeferson mastiga-se aquele alimento. Para sua surpresa o estomago recebeu bem o novo alimento.

Já no quinto dia alguns presos estavam desmaiados ou mortos, todos os que estavam conscientes se aglomeravam perto da grade para manter distancia do jovem que arrancava mais um pedaço de carne do pescoço do antigo líder daquela cela. Seu rosto estava coberto por sangue e os olhos reviram-se enquanto mastigava seu antigo companheiro.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Contos Avulsos - Musa

Musa.

Ela estava deitada ao seu lado. Linda, com seus cabelos morenos esparramados pelo travesseiro. Ele adorava ficar olhando aquele semblante calmo, sereno. Ainda se espantava em como seu rosto era perfeito, como o desenho dos daqueles olhos fechados eram perfeitos, com traços orientais. Seu rosto não possuía nenhuma marca comumente encontrada em nossos rostos a partir da adolescência, fazia-o lembrar um veludo bem fino. Ele passava os dedos calmamente pelo rosto dela, acompanhando seus traços. Respirava profundamente para sentir todo o seu conhecido cheiro que iria direto para o cérebro que mandava uma sensação de calor em seu peito. Estava deito ao lado dela fazia quatro horas, somente olhando sua mulher. Ele a amava como nunca imaginou amar alguém, como nenhum escritor jamais conseguira retratar em palavras, como somente quem ama sabe o que sente. Amava sua mulher desde o primeiro momento em que a viu.

Ela passava em frente seu trabalho e da janela ele a admirava, demorou três meses até tomar coragem para falar com ela. Casaram-se. Construíram juntos uma vida.

Ele olhava seu corpo nu, deitado como sempre no lado esquerdo da cama. O lado dela. Ele conhecia cada centímetro do corpo dela. Já tinha beijado cada parte daquele corpo inúmeras vezes. Reparou em seus seios que jaziam rijos, apontando para o teto. Seios que ele tinha um carinho especial. Derramou seus olhos para a barriga dela. Tinha aprendido a amar aquele adorno em seu umbigo. A jóia refletia a pouca luz do ambiente na pequena pedra incrustada no centro. Perdeu bons minutos apreciando a dança das luzes que ricocheteavam na jóia dela. Chegou a brincar com o dedo levemente, mas trouxe sua mão rapidamente de volta ao seu corpo, não devia tocá-la ali.

Do seu lado da cama ele estava admirando as pernas da sua esposa. Era a parte preferida do corpo dela, na opinião dele. Aproximou seu corpo do corpo dela, tentou encostar as pernas junto às pernas dela. Decidiu que era melhor não. Como estava mais próximo, podia sentir seu perfume ainda mais densamente. Fechou os olhos e imaginou quantas vezes fizeram amor dentro daquele quarto, encima daquela cama. Lembrava de ocasiões marcantes e sensações gostosas, mantinha seus olhos fechados para não perder as imagens que passavam como um filme em sua mente, podia até ouvir os gemidos de êxtase dela. Ele sabia onde tocar, onde morder, onde acariciar. Perdeu a noção de quanto tempo ficou absorto em seus devaneios e ao abrir os olhos viu que ela ainda estava ao seu lado, mas também, onde ela poderia estar? O lugar de sua esposa era justamente onde ela estava agora já que a garganta dela estava cortada.

O problema estava do seu lado da cama, no lugar do marido.

Quando abriu a porta do seu próprio quarto viu a esposa cedendo o que era seu a outro homem. Não apenas o corpo, mas seu lado da cama e sua dignidade. Eram corpos envoltos em mãos, braços e pernas. Não havia roupas naquela cena. Sentiu algo subir do estomago para a garganta, mas não podia afirmar como as coisas ocorreram a partir daquele momento.

Tropeçou no corpo do homem que usurpava seu lugar encima da sua cama e da sua mulher, a tesoura de costura ainda estava cravada no peito dele. Saiu do seu quarto deixando o corpo da sua musa e nunca mais foi visto.




sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Contos Avulsos - Quando aqui se paga.

Quando Aqui se paga.

Edson estava sentado em sua poltrona lendo um dos muitos jornais que lia todos os dias. O relógio denunciava a hora. Ana estava atrasada sete minutos. Irresponsável. Sua filha era seu maior desgosto. Tinha perdido um filho para o câncer dois anos antes. Esse filho, sim, era o orgulho de Edson, mas Ana não era motivo para nada. Na verdade, seu desinteresse era tão grande que não se preocupava em saber se aquela menina insossa tinha algo de bom. Não se preocupava com isso, porem, enquanto aquela menina morasse sobre o seu teto e dependesse de seu sustento, tinha de seguir as regras. Ana sempre chegava da faculdade publica as vinte e três e quarenta. Sorte ela ter passado naquele vestibular, pois Edson jamais gastaria alem do mínimo necessário com o peso morto que era sua filha. Ela entrou em casa com seu habitual fardo de livros na frente do corpo, tinha os olhos cansados devido a sua jornada que começava as cinco e meia da manhã, horário em que saia para o trabalho, e terminava próximo da meia noite. Ana não era bonita. Não parecia ser bonita. Edson não se importava com isso. Como já prevendo a vindoura briga devido a seu atraso ela tentou passar rápido pela sala e ir direto para o seu quarto. O pai não deixou.

Edson, assim que viu aquela menina insolente passar pela porta jogou seu jornal no chão e levantou-se. Postou seu corpo velho no caminho e deu inicio a mais uma das incontáveis brigas que tinha com sua filha.
- Você acha que isso aqui esta com cara de pensão ou puteiro, mocinha? – A ultima palavra saiu com um tom nojento de deboche – Você já comprou essa casa? Então por que esta achando que pode fazer o que quer?
-Desculpe, o ônibus passou atrasado hoje. – Ana olhava para uma marca antiga no carpete da sala, aprendeu há muito tempo não olhar o pai nos olhos.
Edson deu mais um passo para frente, parando a dois metros de Ana. A filha tremia.
- Ah, o ônibus atrasou é? Ou será que você estava trepando com algum vagabundo por ai? – Ele nunca permitiu que Ana tivesse vida amorosa.
-Desculpe... – Ana não tinha mais lagrimas para chorar.
Edson subitamente deu um tapa nos livros da faculdade que caíram esparramando folhas e anotações pelo chão.
-ME CHAME DE SENHOR! SUA BOSTINHA! – O pai gritava, seu rosto estava vermelho e algumas veias saltavam em seu pescoço, mas a filha não viu isso, pois ainda fitava a mancha no carpete que curiosamente não tinha sido tampada pelos seus livros e folhas.
-Desculpe senhor. – Ana ameaçou abaixar-se para recolher seus pertences, mas foi violentamente agarrada pelos ombros e forçada para a parede, bateu sua cabeça com força. Sentia-se zonza.
O pai estava agora a poucos centímetros do rosto da filha e bufafa como um animal dominado pela fúria. Ana podia sentir o cheiro do hálito podre de seu pai invadindo suas narinas. Edson estava transtornado. Sentia que todos os problemas de sua vida eram culpa daquela menina idiota. Ele olhava diretamente nos olhos da filha que estavam fixos no chão. “Essa vadiazinha esta pensando que pode trepar com todos os homem, é?” pensava o pai. Iria ensinar quem mandava naquela casa. Ana não se abalou quando o pai começou a beijar compulsivamente seu pescoço. Ele abriu sua blusa com um movimento brusco fazendo alguns dos botões voarem pela sala. Jogou sua filha de barriga contra o encosto do sofá, afastou-lhe as pernas e com uma mão por baixo da saia de Ana deu passagem para seu membro invasor. Terminara de mostrar quem manda naquela casa em poucos segundos, tremendo, suando e babando. Saiu da sala sem olhar para a filha que tinha deixado seu corpo escorregar para o chão, ficando quase de joelhos com a cabeça encostada na parte de trás do sofá. Ana não chorava, não conseguia mais. Estava apenas olhando para a mancha no carpete. Depois de alguns segundos arrastou seu corpo violado ate onde seus livros testemunharam sua agressão. Quando estava levantando-se viu o pai passar rápido por ela e sair de casa. Ana foi ate a pequena janela ao lado da porta e olhou o homem que passava o portão da casa.
Edson andou em passos firmes o trajeto entre seu quarto e a calçada, ele praguejava mentalmente contra a filha, todas as vezes que abusara da filha tinha sempre sido por culpa dela mesma. Quando chegou ao fim da calçada, junto à sarjeta, sentiu que estava sendo observado. Olho para trás enquanto dava o passo que o colocaria na rua, viu Ana encarando-o pela janela. Foi sua ultima visão antes do ônibus azul transformar seu corpo em um amontoado de carne e ossos quebrados.
Ana procurava outro cobertor no armário enquanto sua amiga estava sentada numa velha poltrona, estava fazendo frio de mais esses dias, não era bom ficar sem agasalhado.
Edson abriu os olhos e sentia-se enjoado, tinha um gosto de leite na boca, só que mais salgado. Tentou se mexer, mas não conseguiu. Onde estava? Que cama era essa? Por que havia pequenas grades em volta da cama? Ouvia duas vozes de mulheres. Elas conversavam sobre alguém que nasceu mudo e o medico disse que ele jamais falaria. Ele conhecia uma das vozes, mas não se lembrava de quem era. Subitamente viu um rosto aparecer por sobre as grades da cama. ANA! Era sua filha! Ela esticou os braços na sua direção, ele tremeu, mas não conseguiu se mexer, ela desenrolou um cobertor azul e Edson sentiu o frio no mesmo instante. De alguma forma ela os pegou no colo. Como poderia? Ao virar de frente para um armário Edson viu seu próprio reflexo num espelho, mas não era ele, era um bebê. Sem pernas e com bracinhos atrofiados. O bebê chorou copiosamente, um choro de sons abafados.

sábado, 15 de agosto de 2009

Contos Avulsos - Telefonema

Telefonema

Foi preciso tomar muita coragem para pegar o telefone aquela noite. Os números estavam gravados havia muito tempo em sua memória, ja tinha perdido as contas de quantas vezes tinha ligado naquele mesmo numero e toda vez ficava horas com o aparelho grudado ao pé do ouvido. Ele achava engraçado como conseguia passar por uma montanha russa de emoções quando ligava. Amor, ódio, felicidade, raiva, decepção e orgulho. Discou o numero, estava com medo do que poderia ouvir esta noite, seria bom? Seria ruim? Para saber, ele teria que encher o peito de força de vontade e estar preparado para o que viesse. Foi então que reconheceu a voz do outro lado da linha e ela dizia assim:

"Obrigado por ligar, se você esta tendo algum problema técnico disque dois......"

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Contos Avulsos - Coragem Comum

Coragem Comum


Carlo parou seu Fiat Palio no posto de sempre, era umas dessas grandes franquias que ultimamente vem sendo investigada pela mídia e depois pelo Governo devido uma mistura grotesca de água com combustível para aumentar a margem de lucro da máfia que rege este ramo. O motorista do Palio estava realmente cansado esta noite, mais do que o normal. Era difícil lidar com mudanças de chefia no escritório onde ele trabalhava, ainda mais quando o novo Gerente de Processos Internos era um antigo desafeto seu vindo diretamente de um velho emprego. O novo GPI do escritório não tinha a menor intenção de facilitar sua vida, ao contrario, estava decidido a ser padrinho de uma futura ulcera no estomago de Carlo. A gravata estava sufocando e o motorista abaixou o nó até deixar o pescoço mais a vontade.

Maldito calor! Carlo aproveitou a inesperada demora do frentista para subir as mangas da camisa social suada tentando melhorar a sensação de estar dentro a um forno ligado. Um vulto se aproxima pela traseira do automóvel e instintivamente o motorista virou-se para entregar a chave do tanque de gasolina, no entanto um movimento brusco de repente o colocou em alerta, mas não foi suficiente para esquivar do golpe vindo de fora.

Marina devia estar chegando em casa agora e iria com certeza trocar de roupa e sair para a academia somente para evitá-lo. Eles estavam casados a sete longos anos e já passaram por varias provações financeiras, familiares e de saude, mas a situação que estava acontecendo agora era nova e com certeza a pior. Marina admitiu que dormiu com um colega do trabalho durante uma viagem de negócios, um babaca qualquer abençoado por Deus com uma cara de ator de novelas e um caráter venerável pelo diabo. Ela não conseguiu negar quando Carlo encontrou por acidente uma parte de embalagem de camisinha caída perto da cama onde a esposa desfazia as malas de viagem.

Uma dor aguda na parte debaixo do olho esquerdo fez Carlo abaixar o corpo em direção ao banco do passageiro enquanto era empurrado para fora de seu banco, mas o cinto de segurança impedia a mudança forçada de lugar. Alguém se debruçou dentro do carro com uma rapidez treinada e soltou o cinto e então mudou o motorista de lugar aos empurrões e palavrões enquanto assumia a o volante do veiculo. Neste meio tempo Carlo percebeu que outra pessoa entrava pela porta traseira do carro e sentava logo atrás de sua posição, esta nova figura tratou de encostar algo metálico em sua nuca e deixar bem claro que ele atiraria caso o dono do carro não ficasse calado. A chave foi virada e o motor respondeu prontamente, era um carro bem cuidado e confiável.

Carlo era o responsável por uma área complicada da empresa, na verdade de qualquer empresa. O Departamento De Pessoal ou Recursos Humanos ou ainda como estava na moda dizer Departamento de Gerenciamento de Pessoas. Era extremamente eficiente no que fazia e nunca tinha cometido nenhum erro expressivo em sua estadia no emprego atual. Seu antigo gerente era um senhor de setenta e quatro anos, amigo de velha data do dono da empresa e foi uma das poucas pessoas que Carlo pode chamar de exemplo de homem. Sr. Teixeira tinha um modo acima do respeitoso para lidar com todos e tratava todos como iguais usando seu zelo e sua polidez, do Office boy ao dono da empresa. Era uma pessoa sempre disposta a compartilhar suas infinitas experiências de trabalho com quem precisasse ou pedisse por um conselho, religioso convicto e praticante. Certa vez viu um supervisor esbravejando fervorosamente e utilizando-se de varios palavrões com uma subordinada por um erro qualquer e apesar de não se lembrar das palavras exatas ditas na cena, Carlo lembrava que o velho senhor reduziu o indelicado supervisor a uma figura de criança repreendida pelos pais quando pego em alguma traquinagem, isto sem sequer alterar o tom de voz calmo nem por um instante. No fim da situação o velho senhor retirou-se calmamente pelo corredor e Carlo só conseguia pensar que se ele chegasse a ser metade do homem que aquele velho era, seus filhos teriam orgulho dele. Certa manhã ao chegar ao trabalho notou que o clima estava pesado e todos seus colegas mantinham um semblante pesaroso. Sua secretaria o deixou a par da morte do Sr. Teixeira na noite anterior. Quando estava a poucos quarteirões de casa o carro do velho senhor foi atingido por uma picape Eco Sport que avançou no sinal vermelho de um cruzamento, a colisão foi tão forte que o velho gerente morreu na hora. A picape tentou fugir do local, mas a batida tinha danificado o carro ao ponto dele não funcionar mais, quando a policia chegou ao local encontrou uma mulher totalmente embriagada sentada ao lado do carro com um corte na parte de cima da testa que deixava um filete de sangue escorrer ater chegar aos ombros. Merda de vida! Carlo realmente desejava que a morte daquele exemplo de vida tivesse sido calma e tranqüila.

O Fiat Palio estava andando com os vidros fechados e numa velocidade dentro dos limites, o motorista concentrava-se em vasculhar com os olhos todos os lados da rua enquanto seu parceiro ainda mantinha a arma encostada em sua nuca e mantinha as ameaças constantes contra sua vida caso ele tentasse alguma besteira. Carlo sentia o rosto dolorido, mas a descarga de adrenalina no corpo fazia sua mente trabalhar mais rápida e ele conseguiu detalhar mentalmente a situação em que se encontrava nesta noite. O motorista era branco e não tinha mais do que vinte e poucos anos, usava um moletom preto gasto pelo constante uso e calças jeans. O novo motorista não parecia ser uma pessoa ruim, de fato, caso Carlo o encontrasse andando na rua não teria uma má impressão, já o homem que se encontrava sentado atrás dele e segurando aquele objeto metálico em sua nuca era com toda a certeza uma pessoa perigosa, não foi preciso que Carlo visse seu rosto, apenas pelo tom da voz já era possível sentir uma ameaça verdadeira vindo de dentro da garganta daquele homem. O carro continuava a rodar.

Marina tinha chegado à casa da viagem e Carlo já a esperava, pois, tinha se ausentado mais cedo do escritório para receber a esposa logo na chegada. Ele amava sua esposa com todas as forças que um homem podia amar sua mulher, Marina não era linda nem chamava tanta atenção na rua quando passeava, mas também não era feia. Carlo se apaixonou pelo seu espírito, seu humor e sua capacidade de fazê-lo esquecer do mundo quando estavam juntos, tudo o que ele queria em uma mulher ele achava dentro dela. Não se podia dizer que seu casamento era infeliz ou dos mais problemáticos. Sua esposa era uma agente de viagens e tinha ido para o interior do estado supervisionar um evento do ramo, voltaria em poucos dias e a agencia onde ela trabalhava tinha colocado todos os funcionários no mesmo hotel, na ultima noite em que passaria longe de casa Marina acabou bebendo demais com os colegas no bar do hotel e quando deu por si estava transando com o Wallace, um agente de viagens conhecido por sua capacidade de dar em cima de qualquer mulher entre os dezesseis e os setenta anos de idade. Não foi bem programado para acontecer, mas ela gostou da sensação de ser paquerada pelo galã da empresa. No final, acordou sozinha e com uma crise de consciência enorme. Quando chegou a casa foi recebida com um abraço amoroso e sincero pelo marido, não agüentou e chorou, mas Carlo pensou que fosse pela saudade e abraçou a esposa com mais força ainda. Marina esteve evitando olhar diretamente para o marido o dia inteiro e deu respostas vagas quando perguntada como tinha sido a viagem. Dada certa hora estava desfazendo as malas no quarto e Carlo estava sentado na cama conversando normalmente com sua mulher, ao puxar uma calça da mala de viagem algo pequeno caiu no chão, Carlo abaixou-se para pegar e notou que era a parte de cima de uma embalagem de preservativos, reconheceu parte da marca mais conhecida e no mesmo instante seu coração ficou pequeno e dolorido.

O homem que estava atrás do passageiro ordenou que o dono do veiculo entregasse a carteira e logo vistoriou seus compartimentos informando ao seu comparsa qual era o banco que Carlo era correntista. O motorista falou pela primeira vez desde que tinha assumido o volante do carro e informou a assustada vitima que iria parar no próximo caixa eletrônico que encontrasse e ele queria as senhas do cartão para sacar o dinheiro. O homem sentado atrás de Carlo empurrava sua nuca com o objeto na sua nuca enquanto continuava a ameaçar sem propósitos sua vida. Quantas vezes ele já tinha visto na televisão esses casos de seqüestros relâmpagos e sabia que em algumas situações a vitima morria no final. A senha era a data de nascimento da esposa, clichê, ele sabia, mas era bom com datas e lembrava todas. Estavam agora em uma avenida e o carro reduziu a velocidade até parar em frente a uma dessas cabines de saque expressos. O motorista que já estava com o cartão e a chave de segurança do banco confirmou a senha e desceu do carro. Andou normalmente ate a cabine ficou lá dentro por alguns minutos. Durante este tempo o homem que segurava aquela coisa na parte de trás de sua cabeça ficou mais agressivo e começou a empurrar o banco consecutivamente conseguindo assustar ainda mais o dono do carro, ele só parou de comporta-se como um louco fanático do Islã quando o motorista voltou ao assento do carro e informou que não consegui sacar muita coisa, “claro que não” pensou Carlo, ele tinha o costume de transferir o grosso de seu pagamento para a conta da esposa e deixava apenas uma pequena quantia em sua conta para possíveis necessidades. O comparsa agressivo ficou em frenesi e acertou vários golpes com a mão livre na lateral da cabeça de Carlo o insultando e dizendo que iria matar ele só por fazê-lo desperdiçar seu tempo com essa merda de quantia. O carro movimentou-se novamente e seguiu por vários minutos até sair da região onde Carlo vivia e começar a seguir na direção da periferia, a paisagem passou de prédios para casas e de casas para barracos, tinha entrado em uma favela. Droga, será que era assim que acabaria sua vida? Ainda tinha tantas coisas para resolver e finalizar antes de morrer.

O carro parou e o homem que estava atrás do seu banco desceu do veiculo, o motorista disse que ele devia sair do carro. Quando abriu a porta do foi bruscamente puxado para fora do automóvel caindo no chão. Estavam em uma viela escura e comprida, vários sacos de lixos estavam amontoados na esquina debaixo do único poste que fornecia tão pouca luz que não ajudava em nada. Carlo foi arrastado até a traseira de seu carro e jogado sem nenhuma delicadeza no porta-malas que se fechou em seguida. Os olhos estavam se esforçando para enxergar no escuro, mas os ouvidos mantinham-se atentos a tudo que acontecia e Carlo conseguiu ouvir os homens discutindo se deviam ou não dar cabo dele e queimar o carro. O motorista era contra a idéia mas o homem que ficou hostilizando o dono do carro estava nervoso e mantinha a idéia de por um fim a vida de Carlo. Após alguns minutos dentro do pouco espaço em que estava foi suficiente para fazer seu corpo suar intensamente, a sua camisa social estava grudada no corpo.

Carlo não tinha mais noção de quanto tempo estava jogado dentro do pequeno porta-malas do carro, mas imaginava que já passava de duas horas de confinamento. Seu carro estava parado no mesmo lugar desde que seus raptores tinham encostado naquela esquina mal iluminada e já fazia algum tempo que não ouvia as vozes dos dois comparsas conversando. Subitamente ouviu o barulho de portas abrindo e sentiu quando alguém sentou dentro do carro mas não ligou o motor. Uma sensação de aflição tomou conta do estomago do verdadeiro dono do carro e sem perceber suas mãos tatearam o assoalho do porta-malas ate encontrar uma chave de roda no formato da letra “L”, usada para a troca de pneu. Alguns segundos depois a tampa traseira do veiculo foi aberta e a pouca luminosidade do local revelou a figura daquele homem agressivo que se manteve atrás de seu banco durante o “passeio” anterior. Carlo não tinha reparado em seu rosto ainda, mas agora viu um homem de feições duras e com sulcos na face que mostravam uma idade próxima de quarenta anos ou que a vida tinha sido realmente dura para ele. Este bandido estava segurando uma arma pequena e de tambor, bem parecida com a que o segurança da empresa usava. Carlo estava sob a mira da arma e só conseguia olhar fixamente dentro do cano que a qualquer momento cuspiria o fim da sua vida. Seu executor mantinha um sorriso maléfico no rosto e olhava o pobre coitado suado e em pânico como se estivesse gostando daquele momento. Toda essa cena não durava mais que cinco segundos quando o motorista disse algo que Carlo não entendeu, mas fez com que o homem com a arma desviasse o olhar para frente do carro. O braço de Carlo fez um movimento circular aberto e rápido atingindo o lado da cabeça do homem nefasto com a ferramenta em sua mão, a força do impacto fez seu agressor pender para o lado contrario e antes de deixar a arma cair dentro do compartimento traseiro do veiculo disparou um tiro na parte de trás do banco que fazia a divisória com o porta-malas.

Carlo jogou-se para fora do carro caindo em cima das pernas do bandido atingido na cabeça pela chave “L” e viu o outro bandido tentar descer do banco do motorista. Surpreendeu-se quando notou que estava com a arma que disparou há alguns segundos atrás em sua mão direita, em poucos segundos já estava em pé e ficou olhando estático o segundo bandido que também estava de pé em sua frente, mas este não estava com a arma em punho e sim guardada em sua cintura. Os homens olhavam-se, ambos com os olhos assustados e com a respiração ofegante. Carlo não imaginava qual seria seu próximo movimento e sentia a arma tremendo em sua mão. O bandido tentou sacar seu revolver, mas antes que alcançasse seu objetivo Carlo subiu o braço e disparou sem fazer pontaria e acertando um muro de cimento atrás do bandido, do outro lado da esquina. Com o susto o bandido deixou a arma escorregar e cair no chão indo parar em baixo do carro, Carlo seguiu o movimento da arma com os olhos e quando voltou sua atenção para o bandido novamente viu que este estava correndo em direção ao poste a alguns metros do carro. Não foi pensado ou previamente planejado, mas Carlo apontou a arma para o bandido em fuga e disparou a arma uma, duas, três, quatro vezes e somente nesta ultima acertou seu alvo, no meio das costas, jogando o bandido de encontro aos sacos de lixo. O corpo estava inerte desde sua queda e Carlo continuava apontando a arma na direção do poste, estava com a boca aberta e sua mão tremia mais ainda, foi somente ao ouvir um gemido vindo de trás que notou o segundo bandido levantando e ficando de joelhos apoiando uma das mãos no chão e a outra na lateral da cabeça que estava pingando sangue no chão imundo daquela favela. Carlo viu o homem levantar-se e olhar na direção do antigo refém e ficou com os olhos arregalados ao notar que ele estava apontando a sua antiga arma na direção de seu peito o bandido tentou dar um passo a frente, mas Carlos apertou o gatilho mais uma vez. Um clique seco roubou o susto do bandido e transferiu o medo de volta ao dono do carro.

Carlo apertou o gatilho mais algumas vezes e somente ouvia aqueles cliques sem o estouro da bala, o bandido estava agora com um sorriso aberto e exibia a falta de um dente da frente enquanto dava outro passo à frente e com um tapa retirou a arma da mão do assustado Carlo jogando-a no chão e com a outra mão desferiu um potente soco no estomago de Carlo, fazendo-o dobrar sobre si perdendo o ar. Um outro soco nas costas fez Carlo cair no chão e em seguida foi levantado pela camisa e jogado em direção ao carro com velocidade, a força do encontro fez o dono do carro bater e cair novamente no chão logo abaixo da tampa traseira de seu caro que continuava aberta. O bandido seguiu andando até o adversário caído e chutou o homem varias vezes, Carlo estava bem próximo de ficar inconsciente quando viu a arma que o primeiro bandido tinha deixado cair e num movimento irracional esticou o braço e alcançou aquela velha arma e com a pouca coragem que restava chutou a perna do seu agressor que pego de surpresa perdeu o equilíbrio e foi ao chão sentado. Esta surpresa foi tempo mais do que o suficiente para que Carlo girasse o braço deixando a arma a poucos centímetros da boca do bandido. Os olhos se encontraram e antes que qualquer som pudesse sair da boca do bandido uma bala entrou e espalhou um pequeno borrifo de sangue para cima quando a cabeça do agressor foi impulsionada para trás levando o corpo do bandido para o chão.

Carlo levantou-se rapidamente e soltou a arma no chão como se a mesma estivesse em brasa, ele olhava o corpo inerte do homem a sua frente e notou uma poça de sangue se formando embaixo da cabeça do morto. Carlo não conseguia pensar em nada e andou de costas ate encostar na porta aberta do carro e lá ficou estático ate que viu quatro homens saindo de trás de um barraco, logo notou mais dois vindo de uma viela pouco a frente, mais dois surgiram em cima de outro barraco. Todos estavam armados com revolveres, pistolas e o homem mais a frente tinha uma escopeta igual à usada pela policia. Este era bastante magro e tinha os olhos serenos, os que estavam vindo em sua direção pararam e somente o homem com a maior arma continuou até ficar quase encostado em Carlo. Os dois se olhavam e surpreendentemente Carlo estava calmo, calmo demais.

- Cê sabe quem eu sou? – Perguntou o homem com a escopeta.

Carlo apenas balançou a cabeça negativamente.

- Cê tem certeza, mano?

Carlo apenas balançou a cabeça novamente negando.

O homem deu um passo para trás e somente agora Carlo notou que ninguém estava apontando a arma em sua direção. O novo personagem virou e encarou o morto no chão, começou a rir e a risada se tornou gargalhada.

- Mano, cê matou os ladão mais sangue nos zoio da região, mano – Disse o homem sem perder o sorriso do rosto. – Tem que ter culhão pra caralho heim! Tomando varias bicudas na lata e ainda conseguiu enfiar a bala na cabeça desse otario!

Apesar de alguns comparsas acompanharem as risadas do homem que parecia ser o líder, Carlo manteve-se calmo e calado.

- Ó mano, cê e policia vai, confessa ai...- Brincava o homem apoiando a mão no estomago devido às consecutivas risadas.

Carlo tornou a negar com a cabeça e viu o homem perder o sorriso e apontar a arma para a sua cabeça.

-Cê num sabe falar não, caralho!

Carlo deu um passo à frente ficando com a cabeça bem próxima a boca da arma daquele homem.

- Se você vai atirar, atira agora! Ou me deixa ir embora! – Disse Carlo olhando dentro dos olhos do líder daqueles homens.

Subitamente a arma foi abaixada e o bandido chefe notou algo no olhar daquele homem suado e machucado algo que não sentia há muito tempo. Medo.

- Mano, ta certo, cê é louco mesmo, eu num mato louco. Entra no teu carro e vaza.

Carlo entrou em seu carro e dirigiu ate em casa, parando apenas para abastecer. Quando chegou em casa encontrou Marina sentada na sala chorando e ao ver o marido ela se assustou com o estado deplorável nunca visto antes e se assustou ainda mais com o olhar que o marido tinha estampado em seu rosto. Carlo andou ate sua esposa, levantou-a do sofá e beijou sua mulher de forma apaixonado. Fizeram amor na sala até o amanhecer, quando acordou Marina ainda via aquele olhar diferente em seu marido, era coragem, estava transbordando coragem e este olhar nunca saiu de seu rosto.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Contos Avulsos - Crime e castigo.

Crime e Castigo


O Homem estava parado no ponto de ônibus esperando, como fazia todos os dias ha cinco anos, o circular que demorava mais para chegar até o afastado bairro do que o trajeto inteiro que o veiculo iria percorrer. Eram cinco da manhã, o céu ainda estava azul escuro e fazia um frio constante, a garoa rasgava a pele ajudada pelo vento comum em São Paulo. Estava sozinho e pensando nas contas de luz e água que já estavam vencidas há algum tempo e provavelmente iriam ser cortadas naquela mesma semana. O que restou do pífio salário do mês estava no bolso da jaqueta jeans batida e seria suficiente para o pagamento de apenas um dos dois boletos em atraso que repousavam pesadamente no bolso interno, aquele que fica perto do coração. Esperava conseguir um adiantamento na área de recursos humanos da empresa. Não havia viva alma a sua esquerda nem a sua direita, nesta ficava a padaria do Oswaldo “Português” que ainda estava fechada, mas dava para sentir o gostoso aroma da primeira fornada. O estomago lembrou ao homem que o café preto e amargo que foi seu único desejum naquela madrugada fria não foi suficiente para saciar nem uma pequena parte de sua fome, uma mistura de vergonha e impotência arranhava o orgulho do ferramenteiro.


Uma coisa que ajudava a amenizar as dificuldades da vida era sua fé no Senhor Deus e sua honra que muitas vezes o alimentava de esperança na máxima que dizia: “Um pobre honrado na terra era rei dos reis no paraíso.”. Claro que nem sempre isso bastava e por inúmeras vezes o homem ficou tentado a seguir o caminho mais fácil e perigoso, mas a imagem da mulher e dos filhos vinha lavar sua mente. Continuava esperando. Do ponto de ônibus em que estava viu o Mineiro, ajudante de padeiro na biboca do Português aparecer na esquina, montado em sua bicicleta barra forte enferrujada, seguindo calmamente para o seu local de trabalho, o homem pensou que aquele pobre coitado que pedalava impávido conseguia ter uma vida mais sofrida ainda que a sua. A esposa do ajudante de padeiro adoecera e faleceu na fila do hospital padecendo de alguma doença grave que foi classificada como sendo uma virose qualquer por algum medico recém formado que prestava plantão no posto do bairro, a esposa deixou dois filhos para o pobre mineiro cuidar, um de dezesseis anos e outro de quatro anos. A família toda agora morava nos fundos da casa da ex-sogra, uma megera viúva e ressentida da vida, que fazia questão de tornar a vida do coitado ainda mais miserável sempre que podia por ceder um cômodo mal acabado e com infiltrações nas paredes que sempre atacavam os pulmões do seu filho mais novo para que o pai pudesse morar com os netos, pobre Mineiro.


Naquele momento, na esquina oposta aparece um automóvel Golf vermelho em alta velocidade, o carro fez a curva tão rápida e em um ângulo aberto que a roda do lado do passageiro quase acertou a guia, pois passou a poucos centímetros da calçada, do ponto de ônibus o homem pode ouvir o som alto que reverberava de dentro do veiculo, aqueles filhinhos de papai usavam o bairro como atalho para chegar a uma das marginais de São Paulo sempre que saiam de uma chácara que promovia festas regadas a álcool, drogas e musica eletrônica. Demorou alguns instantes para juntar os fatos e perceber a perigosa situação que se montava diante de seus olhos. O carro vermelho serpenteava na rua quase sem controle e quando a roda acertou um dos muitos buracos existentes naquele asfalto antigo e sem cuidados e como escrito no pensamento do homem o automóvel vermelho se desgovernou com um barulho seco de borracha derrapando e partindo em uma linha reta para a velha bicicleta do Mineiro que naquele momento descobriu o que iria acontecer. O Barulho não foi parecido com nada que o homem já tinha ouvido antes em sua vida, primeiro veio o som de metal com metal quando o carro atingiu a antiga bicicleta do ajudante de padeiro e logo em seguida um baque surdo sonorizando o encontro frontal do peito do mineiro com o capo do carro desgovernado. Após atravessar o destino do atropelado o carro chocou-se com um poste poucos metros à frente, destruindo totalmente a frente do carro, que praticamente abraçou o poste, formando um “U” com a parte dianteira do veiculo. O homem que estava estático no ponto de ônibus, agora já estava correndo para acudir o vizinho do bairro, mas sabia pela posição que o corpo padeiro tinha caído no asfalto que a possibilidade de encontrá-lo com vida era pequena e que a vida já tinha se esvaído daquele corpo inerte.


Do carro recém destruído que soltava fumaça por baixo capo e vazava um misto de água que vinha do radiador esmigalhado e gasolina que caia de rachaduras feitas no bloco do motor, desce uma figura que se não estivesse bêbado como um alemão dentro da Oktober Fest até se pareceria com um rapaz no auge dos seus 20, bem aparentado, com roupas bem cuidadas e cabelo tipicamente cortado no estilo classe media. Mal pos as pernas para fora do carro e já tinha perdido o equilíbrio tendo que se escorar no carro para manter-se em pé com alguma segurança. O homem estava agachado sobre os calcanhares a alguns centímetros do corpo do falecido Mineiro que tinha o pescoço quase totalmente virado para trás e vertia sangue da boca, nariz e orelhas. Os olhos úmidos do homem encontraram as pupilas já dilatadas do corpo sem vida do pobre vizinho, ele nunca tinha visto nenhum cadáver nestas condições antes deste momento, muito menos o corpo de um amigo. Aquele olhar que não dizia nada, vago e sem brilho ficaria guardado sempre em seus sonhos, ele sabia. Até aquele momento o homem não tinha dado a menor atenção ao rapaz cambaleante que descia do carro, mas algumas palavras desconexas chamaram sua atenção e o fez virar a cabeça na direção do motorista que estava esbravejando palavrões para o poste que logicamente tinha destruído seu possante automóvel. Da testa do motorista alcoolizado escorria um filete de sangue que descia pela lateral da cabeça e ia cair na camisa pólo com listras brancas e cinzas que ia ganhando uma cor avermelhada na altura do ombro direito. Demorou alguns segundos para que o jovem motorista do Golf percebesse o homem agachado perto de um corpo a alguns metros do seu carro, ele, em seu raciocínio alterado sabia que aquele corpo estirado na rua era culpado pelo carro destruído que o pai lhe dera ainda naquele ano. O jovem andou cambaleando até bem próximo do padeiro e derramou uma avalanche de insultos sobre o cadáver estirado no asfalto, daquela distancia o homem podia sentir o cheiro de álcool que escapava da boca do rapaz que tinha os olhos vermelhos. Ainda agachado ao lado do Mineiro, ele olhava aquele rapaz bêbado com uma cara de susto e mantinha os olhos arregalados que encaravam aquele jovem recém saído da puberdade que tinha a covardia ou coragem etílica de falar mal da pessoa que ele mesmo matou! O rapaz ainda sem muito equilíbrio apontava e gritava com o morto dizendo que ele acabou com o carro novo que o pai tinha presenteado-o e que ligaria para o advogado da família e iria fazer pagar cada centavo na reparação do carro ou o pai ia fazer ele mofar na cadeia.


Algumas vezes a calma de uma pessoa some e cede o lugar para a fúria tomar conta da alma dos homens, só que neste caso a fúria era algo pequeno para o que inflamava dentro do peito do homem, ele sentia um calor dentro de suas entranhas fazendo suas mãos tremerem e podia fantasticamente ouvir o batimento do próprio coração pulsando bravo dentro de seu peito simplório que nunca tinha faltado com sua honra e com o respeito aos seus. Suas mãos suavam e uma pequena palpitação aparecia no olho esquerdo. O rapaz embriagado estava parado sobre o corpo sem vida do mineiro e conversava com este como se lá do mundo do além o espírito do ajudante de padeiro pudesse ouvi-lo. Algumas pessoas começavam a aparecer nos portões e janelas das casas simples daquela rua atraídas pelo barulho da cena ocorrida há poucos minutos. Os moradores daquela rua começavam a tomar ciência da cena de terror que se abatia na pacata rua. A cena compunha-se por três personagens, o primeiro era o corpo do pobre ajudante da padaria, o segundo era o rapaz embriagado que esbravejava contra um defunto e o terceiro era o homem comum que assistira a tudo de camarote e se via agora dentro de uma situação única e que se pudesse escolher jamais participaria da mesma. Os minutos que se passaram a partir deste ponto não foram narrados pelos moradores para os policiais que chegaram somente algumas horas atrasados. Todos os que foram questionados diziam a mesma coisa em versões diferentes, aqui será postada a versão que todos os sabem, mas ninguém mais comenta, seja numa mesa de bar ou na cama antes de dormir.


O jovem motorista estava em frente ao corpo do mineiro e gritava palavras embaçadas pelo álcool e gesticulava nervosamente, como se por raiva do silencio do cadáver o rapaz deu um chute no corpo do falecido ajudante de padeiro e este gesto foi o gatilho da sua ruína. O homem que estava agachado ao lado do seu finado vizinho foi tomado por um choque que correu sua espinha dorsal e explodiu em seu cérebro que mandou mensagem para varias partes do corpo que por sua vez responderam rapidamente. Com um movimento rápido demais para o motorista embriagado acompanhar, o homem postou-se sobre os pés e atirou-se para cima do jovem acertando-lhe com o punho a boca do estomago, o que fez o rapaz dobrar-se e tossir secamente, mas antes que pudesse levantar o joelho do homem atingiu seu queixo jogando sua cabeça para traz e por milagre ou apenas pela física o motorista ficou em pé para receber então um soco vindo da direita para esquerda que pousou sobre a lateral do nariz, esmigalhando cartilagem e osso e seguido por outro soco vindo de baixo para cima e acertando o queixo já dolorido com tamanha força que o impulso derrubou-lhe com as costas no chão e jogando suas pernas para o ar.


A visão do homem estava turva e a adrenalina fazia seu corpo tremer involuntariamente, era como se uma voz o mandasseele punir aquele rapaz por seus crimes. Apoiado com os joelhos no chão o homem acertou vários socos no rosto do motorista ate que a feição não lembrasse nada mais do que uma massa desfigurada de carne, sangue e dentes. Segurado pela camisa, o jovem tinha os braços tombados ao lado do corpo e vertia sangue por inúmeros cortes na face, estava semi-inconsciente e largava palavras sem nexo e sentido enquanto o home estava em pé com a cabeça baixa olhando fixamente para o chão num ponto perdido entre tantos pensamentos. Quando os policiais chegaram encontraram um corpo sem vida ao lado do carro claramente identificado como a tal vitima de atropelamento reportado pelo telefonema recebido na delegacia e também encontraram outra vitima que se agarrava ao fino fio de vida que ainda se prendia teimosamente ao corpo e que aparentemente tinha sido vitima de atropelamento por um caminhão ou algo muito grande.


Quando indagados sobre o ocorrido no local ninguém tinha visto nada ou ouvido nada alem da batida do carro contra a bicicleta. Essa era uma lei que ninguém contestava. Quando o rapaz teve condições para falar e ser preso pela policia era tarde. O homem continuava morando no mesmo lugar e tinha o mesmo trabalho de sempre, continuava fazendo mágica com o pouco dinheiro vindo do salário a única coisa que mudou foi seu olhar. Quando alguém olhava na cara do homem via que aquela pessoa tinha coragem, uma coragem assustadora, e até o fim de seus dias, muitos anos na frente, ele mantinha esse olhar.

 
hits